domingo, 25 de outubro de 2009

O Hipnotizador

Publico aqui, na integra, artigo de Boaventura Sousa Santos, um insuspeito homem de esquerda, e que desmonta o fenómeno Barak Obama, reduzindo-o à sua ínfima realidade!


"O mundo (não todo, mas uma boa parte) vive hoje em estado de hipnose e o hipnotizador é Barack Obama

A hipnose é um estado psíquico, induzido artificialmente, em que o hipnotizado fica sujeito à influência do hipnotizador. O estado de concentração hipnótica filtra a informação de modo a que ela coincida com as directivas recebidas. Passado o seu efeito, o contacto com a realidade pode ser penoso. O mundo (não todo, mas uma boa parte) vive hoje em estado de hipnose e o hipnotizador é Barack Obama (BO). A hipnose consiste numa mudança radical de percepção sobre o que se passa no mundo sem que na realidade haja razões para sustentar tal mudança.
A crise financeira global. Mudança: as medidas corajosas de BO para regular o sistema financeiro e assumir o controle de empresas importantes fez com que a crise fosse ultrapassada e a economia retomasse o seu curso. Realidade: BO injectou montantes astronómicos de dinheiro dos contribuintes nos bancos e empresas à beira do colapso sem assumir o controle da sua gestão; não introduziu até agora nenhuma regulação no sistema financeiro: prova disso é o regresso do capitalismo de casino à Wall Street com o banco Goldman Sachs a registar lucros fabulosos obtidos através dos mesmos processos especulativos que levaram à crise, enquanto o desemprego continua a aumentar e os americanos continuam a perder as suas casas por não poderem pagar as hipotecas.
O regresso do multilateralismo. Mudança: BO cortou com o unilateralismo de Bush e os tratados internacionais voltaram a ser respeitados. Realidade: as recentes negociações de Banguecoque, que deveriam levar ao reforço do Protocolo de Quioto sobre as mudanças climáticas, conduziram, por pressão dos EUA, ao resultado oposto, com a agravante de terem atenuado as responsabilidades globais dos países desenvolvidos; os EUA, que não assinaram a Declaração de Durban contra o racismo, de 2001, voltaram a retirar o seu apoio ao documento sobre a sua revisão, na reunião da ONU de Abril, em Genebra; os EUA desautorizaram o corajoso relatório do juiz Goldstone sobre os crimes de guerra cometidos por Israel e o Hamas durante a invasão israelita da faixa de Gaza, no Inverno de 2008, e pressionaram a Autoridade Palestiniana a fazer o mesmo.
O fim das guerras. Mudança: BO estendeu a mão da fraternidade ao mundo islâmico e vai pôr fim às guerras do Médio Oriente. Realidade: houve mudança de retórica, mas Guantánamo ainda não encerrou; os generais dizem que a ocupação do Iraque continuará por muitos anos; os camponeses afegãos continuam a ser mortos "por engano" e as mortes estendem-se já ao Paquistão, com consequências imprevisíveis.
As bases militares na Colômbia. Mudança: sem precedentes, BO criticou o golpe de Estado nas Honduras, o que dá garantias de que as sete bases militares a instalar na Colômbia são destinadas só à luta contra a droga. Realidade: BO criticou o golpe mas não lhe pôs termo nem retirou o seu embaixador; o alcance dos aviões a estacionar na Colômbia revelam que os verdadeiros objectivos das bases são: 1) mostrar ao Brasil que, como potência regional, não pode rivalizar com o EUA, 2) controlar o acesso aos recursos naturais da região, nomeadamente da Amazónia, 3) dissuadir os governos progressistas da região a terem veleidades socialistas, mesmo que democráticas.
Donde provém o poder hipnótico de BO? Da insidiosa presença do colonialismo na constituição político-cultural do mundo. O Presidente negro de tão importante país dá aos fautores históricos do racismo o conforto de poderem espiar sem esforço a sua culpa histórica, e dá às vítimas do racismo a ilusão credível de que o fim das suas humilhações está próximo.
E o que passará depois da hipnose? BO está a preparar-se para governar durante oito anos, fará algumas reformas que melhorarão a vida dos americanos, ainda que ficando muito aquém das promessas e sem nunca pôr em causa o Estado de mercado; evitará a todo custo "mexer" no conflito Israel/Palestina; manterá a América Latina sob apertado controle; agradará em tudo à China, tal o medo que ela deixe de financiar o american way of life."

Boaventura Sousa Santos, in "VISÃO"

1 comentário:

  1. Com Socrates a governar Portugal nao me parece que haja moral para criticar governantes de outros paises. Bem, talvez Berlusconi (just a gigolo, everywhere I go...)

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